Comprar a granel é sempre sustentável? Estudo aponta desafios e contradições no modelo sem embalagens
Comprar a granel parece uma escolha sustentável, mas estudo revela que a prática pode esconder alguns riscos ambientais, sociais e até sanitários.

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Adotar produtos vendidos a granel, ou seja, sem embalagens, é amplamente visto como um gesto consciente e ecológico. Mas será que essa prática é realmente sustentável em todas as suas etapas? Segundo artigo publicado no site The Conversation por Fanny Reniou, Elisa Robert-Monnot e Sarah Lasri, pesquisadoras de universidades francesas, o modelo de distribuição a granel também apresenta riscos ambientais, sociais e até sanitários quando não é bem orientado.
“Ao contrário do discurso geralmente positivo sobre os produtos a granel, nossa pesquisa aponta efeitos perversos e prejudiciais desse tipo de distribuição”, alertam as autoras no texto.
O modelo a granel: promessas e práticas
A ideia central da venda a granel é simples: reduzir o impacto ambiental ao eliminar as embalagens descartáveis. Em vez disso, os próprios consumidores e varejistas assumem o papel de embalar os produtos, usando recipientes reutilizáveis, muitas vezes trazidos de casa.
Mas a pesquisa, conduzida por Reniou, Robert-Monnot e Lasri, mostra que esse novo papel nem sempre é bem desempenhado — e que o desaparecimento da embalagem pode significar também a perda de funções importantes como segurança, informação, marketing e conservação.
“As embalagens cumprem funções logísticas, de marketing e ambientais. Quando desaparecem, é necessário que consumidores e lojistas as substituam de alguma forma, o que nem sempre acontece de maneira eficiente”, explicam.
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Dois caminhos: assimilação ou reinvenção
Para entender como consumidores e varejistas se adaptam ao modelo a granel, as pesquisadoras analisaram 54 entrevistas, 190 postagens no Instagram e 428 fotos de casas e lojas.
Os participantes seguiram dois caminhos:
- Assimilação: quando os consumidores tentam imitar as embalagens industriais, reutilizando, por exemplo, caixas de ovos ou galões de detergente;
- Acomodação: quando criam novas formas de embalar, com frascos decorativos ou bolsas feitas de tecidos como o wax africano.
Mas nem sempre essa adaptação é segura. Um dos perigos apontados é o uso incorreto de embalagens, como colocar produtos tóxicos (como detergente) em garrafas de suco — o que pode causar acidentes domésticos.
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Excesso de recipientes e exclusão social
Outro problema é que o propósito inicial de reduzir o desperdício nem sempre é alcançado. Muitos consumidores acabam comprando novos potes, etiquetas e canetas — às vezes fabricados do outro lado do mundo — o que gera mais resíduos e emissões.
“A prioridade de alguns consumidores não é reaproveitar, mas comprar novos recipientes. O resultado é a produção massiva de resíduos — o oposto do que o comércio a granel propõe”, pontuam.
Além disso, a experiência de comprar a granel pode ser excludente para pessoas com menor letramento alimentar. Sem embalagens, informações como validade, composição e modo de preparo desaparecem, dificultando o uso e aumentando o risco de desperdício. Segundo os dados citados, profissionais com mais de 50 anos e maior poder aquisitivo representam 70% dos consumidores de produtos a granel.
Caminhos para o futuro
Durante a pandemia, o setor de vendas a granel sofreu um forte impacto, com o fechamento de diversas lojas especializadas na França. Mas, mais recentemente, grandes marcas como a Laughing Cow passaram a investir no segmento, buscando ampliar sua aceitação nos supermercados.
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Na França, uma lei de 2020 estipula que até 2030, todas as lojas com mais de 400 m² deverão dedicar 20% de sua área de produtos de giro rápido (FMCG) à venda a granel.
Mesmo assim, segundo o artigo, a falta de orientação ainda dificulta o avanço do modelo. Para que ele se consolide, será necessário educar consumidores, capacitar varejistas e investir em inovações que garantam segurança, informação e sustentabilidade real.
“É cada vez mais necessário e urgente apoiar os agentes do setor a granel para que consigam adotar essa prática com sucesso e desenvolvê-la ainda mais”, concluem as autoras.
*O artigo completo foi publicado em The Conversation com o título “No packaging, no problem? The potential drawbacks of bulk groceries”, assinado por Fanny Reniou (Université de Rennes 1), Elisa Robert-Monnot (CY Cergy Paris Université) e Sarah Lasri (Université Paris Dauphine – PSL).